Der Sturm, Berlim
Talvez pela influência da minha formação, tenho um grande interesse pela fotografia arquitetônica. A forma, o estilo e características da construção de uma cidade estão intrinsecamente relacionadas com a sua história. Se observarmos com atenção a arquitetura de uma cidade, ela diz muito a respeito da cultura e do modo de vida de seus habitantes. Em 2008, registrei as primeiras fotos de arquitetura de Nova York pertencentes a esse trabalho, concluído somente em 2013, sendo que a opção de tratamento dessas fotografias foi toda em preto e branco. Posteriormente, observei que o contraste das sombras com o tratamento em preto e branco, lembravam um pouco a dramaticidade das luzes do Cinema Noir, estilo de filme que sempre impressionou-me, seja pela luz contrastada utilizada nas filmagens, seja a teatralidade da temática.Nosferatu, 1922 – Friedrich Wilhelm Murnau
Iniciei imediatamente uma pesquisa, além dos filmes, fazendo parte dos meus estudos, o movimento que foi precursor do estilo Noir, o expressionismo alemão e também as suas influências na pintura e na xilogravura.GOD’S MAN, A novel in Woordcuts, Lynd Ward
Retornei diversas vezes a Nova York. À essa altura, meu trabalho já estava mais direcionado e voltado para o tema. A captação de cada detalhe na arquitetura foi pensada de acordo com o tema Noir. Não seria minha intenção repetir integralmente o que foi demonstrado no cinema, apenas o essencial para a construção do meu novo trabalho. De acordo com James Monaco em American Film Now, “o filme noir não é um gênero em si, mas um estilo visual” e foi exatamente essa característica que serviu de base para o meu projeto.Cidadão Kane, 1941 – Orson Welles
“O cinema noir é marcado por uma estética de artifícios, a começar pela sua fotografia em preto e branco que foge ao naturalismo do mundo real que é policromático; aos cenários barrocos (essencialmente em Welles) ou teatrais; à iluminação dura, contrastada, sem meios tons; aos planos que oscilam entre clouse-up a profundidade de campo sem mediações, enfim, tudo nos remete à noção de estar num universo não-natural, de imagens dissimuladas, de cenários construídos. Nesse sentido o noir traz dentro de si, as marcas da representação e a fotografia será sua referência básica nesse cinema tão voltado para a estética do simulacro, da fragmentação e da repetição. Os procedimentos expressionistas tais como sombras, olhares, gestos reforçam a predominância de uma estética de closes e fragmentos de objetos. O cinema noir se revela como um cinema de “frestas”. É pelo viés que se espia e se descobre o que está oculto. Esse reino do fake encontra-se sempre envolto numa constante cortina de fumaça, de neblina ou de chuva, onde a transparência é pouco percebida e as ações acontecem essencialmente sob o império da noite. De forma similar, o cinema noir utiliza de iluminação artificial com grande eficácia: claro-escuro, preto e branco, visando obter alto contraste, eliminando os meios tons. Para compor um jogo de luz e sombras, numa atmosfera oscilante entre o visível e o invisível, reflexo de uma realidade ambígua, o noir, traz o espelho como elemento metaforizante na narrativa.”(Cinema noir: espelho e fotografia. Márcia Ortegosa, 2010)
O Gabinete do Dr. Caligari, 1920 – Robert Wiene
O trabalho completo foi fotografado em 3 cidades: Nova York, Berlim e Paris, com planos de ainda integrar ao projeto uma cidade brasileira. A cidade de Nova York foi o ponto de partida e recebeu o título de “Metropolis”, palavra homônima ao filme do austríaco Fritz Lang (1927), que propunha uma realidade caótica urbana para o ano 2026. Uma cidade estratificada em que se pode reconhecer diferentes níveis sociais, cada um representado por uma determinada arquitetura. O edifício do cartaz do filme foi inspirado em NY, na década de 1920 e reflete o estilo Art Deco de arranha-céus da cidade.Berlim foi o local onde iniciou-se o movimento expressionista, que tanto influenciou a estética do Cinema Noir. Por esse motivo, planejei estender o projeto para a capital alemã. O nome da série, “Der Sturm”, em português, A Tempestade, vem da revista alemã vinculada ao Expressionismo Alemão e publicada em Berlim, criada em 1910 por Herwarth Walden, considerada a mais influente desse movimento artístico. O cinema Noir, recebeu outras influências importantes do realismo poético francês (surgido no cinema francês à partir da metade da década de 1930), com seus temas de fatalismo, injustiça e heróis arruinados, e do neo-realismo italiano, com ênfase na autenticidade. O termo “film noir” foi inventado pelos franceses, críticos sempre astutos e fãs da cultura americana. Durante a ocupação nazista, a França havia sido privada dos filmes americanos durante quase 5 anos; e quando finalmente começaram a vê-los em finais de 1945, notaram não somente um escurecimento do ambiente, como também o próprio tema. Os críticos Nino Frank e Jean-Pierre Chartier escreveram em 1946 sobre estes filmes. Em 1955, muito antes de film noir aparecer em qualquer livro de língua inglesa, Raymond Borde e Etienne Chaumeton escreveram sobre o tema. Os americanos não acompanharam os franceses na sua percepção e apreciação pelo Noir, até uma nova geração de entusiastas cinéfilos entrarem nas escolas de cinema no final de 1960. É com essa justificativa, baseada no próprio nome dado a esse estilo marcante no cinema, que executei uma série de fotos também na cidade de Paris chamada: “Paris Noir”. A intenção desse projeto, é reunir todo esse trabalho em um livro, com planejamento para 2016. Todo o projeto, mantinha-se inédito até o momento, quando surgiu a oportunidade de mostrá-lo parcialmente no Museu Inimá de Paula, em Belo Horizonte. Para a capital mineira foi escolhida a série “Der Sturm”, com o apoio do projeto “Alemanha + Brasil 2013-2014” e curadoria do marchand Ricardo Fernandes.
Bibliografia:
Stam, Robert – O Espetáculo Interrompido: literatura e cinema de desmistificação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981
ARTE MODERNA / Giulio Carlo Argan – São Paulo: Companhia das Letras, 1992, capítulo três: O SÉCULO XIX NA ITÁLIA, ALEMANHA E INGLATERRA
espaços da arte brasileira, Goeldi / Rodrigo Naves – São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2002
FILM NOIR /Alain Silver & James Ursini/Paul Duncan (Ed.) – Lisboa: TASCHEN, 2004
ASSIM FALAVA ZARATRUSTA/ Friedrich Nietzsche – Petrópolis: Editora Vozes – 4ª edição, 2007
Wordless Books, The Original Graphic Novels / David A.Beronä • Introduction by Peter Kuper, New York: Abrams, 2008
Cinema noir: espelho e fotografia./Márcia Ortegosa – São Paulo: Annablume, 2010
GERMAN EXPRESSIONISM THE GRAPHIC IMPULSE / organized by Starr Figura, The Phyllis Ann and WalterBorten Associete Curator – New York: MOMA, 2011
Brassaï Paris / Jean-Claude Gautrand • 1899 – 1984• TASCHEN 25th anniversary
PASSIONATE JOURNEY : A Vision in Woodcuts / Frans Masereel – republication in 2007, New York: Dover Publications, Inc. / originally published: Geneva, in 1919.
GODS’ MAN : A Novel in Woodcuts / Lynd Ward – New York: Dover Publications, Inc. 1929
THE CITY : A Vision in Woodcuts / Frans Masereel, republication in 2006, New York: Dover Publications, Inc. / originally published: Munich, in 1925.
DESTINY: A Novel in Pictures / Otto Nückel, republication in 2007, New York: Dover Publications, Inc. / originally published: Munich, in 1930.
FILM NOIR THE ENCYCLOPEDIA
Alain Silver • Elizabeth Ward • James Ursini • Robert Porfirio
New York • London
OVERLOOK DUCKWORTH, 2010
Acima, fica algumas sugestões de pesquisa sobre o assunto.